Fisiopatologia e Diagnóstico da Pericardite Constrictiva

Pericarditetrictiva (PC) é uma forma relativamente incomum de insuficiência cardíaca clínica. A verdadeira prevalência populacional é desconhecida, mas entre aqueles com pericardite viral tem sido estimada em menos de 0,5% dos casos.1 Entretanto, por ser potencialmente reversível, o diagnóstico não deve ser ignorado. A pericardiectomia cirúrgica tem a capacidade de “curar” a PC, com dramáticas melhorias nos sintomas e na qualidade de vida.2,3 Embora a etiologia da PC possa ser variada (idiopática, pós-viral, tuberculosa, pós-cirúrgica, induzida por radiação, etc.), a via final comum é o desenvolvimento de espessamento fibroso ou calcificação do pericárdio resultando em não-conformidade pericárdica.

Fisiologia pericárdica e fisiologia patofisiológica na constrição:

O pericárdio normal impede minimamente a distensibilidade ventricular aos volumes normais de operação cardíaca. Em PC, a não-conformidade pericárdica cria uma unidade ventrículo-pericárdica rígida, levando a um aumento das pressões diastólicas e a um aumento mais rápido das pressões ventriculares para um determinado retorno venoso. A não-conformidade do pericárdio limita o relaxamento ventricular e determina a pressão diastólica ventricular, resultando em pressões diastólicas elevadas e equalizadas em todas as câmaras. Clinicamente, isto se apresenta predominantemente como congestão direita (distensão venosa jugular, edema e ascite). A elevação da pressão da cunha capilar pulmonar e a diminuição da resposta do débito cardíaco ao exercício (dado o enchimento ventricular inadequado) resulta em dispnéia e intolerância ao esforço, embora o edema pulmonar franco seja menos comum do que a insuficiência cardíaca sistólica típica.

O pericárdio normal regula o acoplamento dos volumes de AVC esquerdo e direito durante as alterações agudas da pré-carga, de modo que um aumento súbito do retorno venoso do lado direito (durante a inspiração) está associado à curvatura do septo à esquerda e uma diminuição da pressão de enchimento transmural do ventrículo esquerdo (VE) (pressão diastólica de pericárdio de pressão do VE). Isso, por sua vez, diminui o volume diastólico final do VE (pré-carga do VE) e, portanto, o volume do AVE do lado esquerdo.4 No coração normal, essas alterações no volume do AVE com a respiração são mínimas. Dado um volume pericárdico fixo em CEC, o acoplamento pericárdico é muito exagerado, levando a uma dramática interdependência ventricular. O movimento anormal do septo ventricular resulta do aumento das alterações respiratórias nos volumes de AVC do lado esquerdo e direito.

Em CEC, devido ao coração estar enclausurado por um pericárdio não compatível, a diminuição inspiratória normal da pressão intratorácica não é transmitida às pressões intracardíacas. Este efeito amplifica as diminuições inspiratórias na pressão venosa pulmonar (já que as veias pulmonares são principalmente extrapericárdicas), traduzindo-se em uma pré-carga inspiratória esquerda reduzida, reduzindo ainda mais o volume do AVC inspiratório esquerdo. A avaliação diagnóstica da PC multimodalidade destaca esses achados, facilitando o diagnóstico.

Avaliação inicial:

A baixa prevalência de PC faz da identificação dos principais exames físicos e características históricas um importante passo inicial no processo diagnóstico. Um histórico de cirurgia cardíaca, radiação ou tuberculose deve aumentar a suspeita clínica na presença de edema, distensão abdominal e dispneia de esforço. A pressão venosa jugular elevada (PVCJ) está presente em praticamente todos os pacientes que não são hipovolêmicos. A restrição pericárdica resulta na incapacidade do coração direito de acomodar o retorno venoso abdominal inspiratório, traduzindo-se em um aumento inspiratório da PVCJ (signo de Kussmaul).5 As descidas x e y da jugular são proeminentes em CEC, devido ao movimento longitudinal exagerado e ao enchimento ventricular precoce proeminente, respectivamente. Por outro lado, a cardiomiopatia restritiva demonstra diminuição da descida x, devido ao relaxamento atrial deficiente e miopatia atrial. A ausculta pode revelar um baque de pericárdio elevado ao longo da borda esternal esquerda. Ascite e edema inferior significativo são comuns e freqüentemente levam ao diagnóstico errado de doença hepática se os achados da ECVP não forem reconhecidos.

Testes laboratoriais em CEC são inespecíficos. Um BNP elevado pode sugerir uma maior probabilidade de cardiomiopatia restritiva, mas estudos têm mostrado grande sobreposição de valores diagnósticos nesta população limitando a utilidade clínica.6-9

Equocardiografia:

Como teste diagnóstico inicial, a ecocardiografia pode confirmar o diagnóstico de PC na maioria dos casos se a probabilidade pré-teste for suficientemente alta.10 A ecocardiografia demonstra características tanto de interdependência ventricular exagerada quanto de dissociação intratorácica-intracárdica. O achado patognomônico é o desvio do septo respiratório, detectado pelo modo M ou pela imagem 2D.5 Além desse movimento septal respiratório exagerado, há também um movimento septal batimento a batimento anormal, ou “tremor”, devido ao rápido preenchimento diastólico diferencial precoce do ventrículo direito e depois do esquerdo.11 A veia cava inferior é universalmente pletórica na ausência de hipovolemia; uma característica sensível, porém inespecífica, da PC. A reversão da veia hepática expiratória e a diminuição do fluxo diastólico para frente ocorrem devido ao movimento septal do ventrículo direito a partir de um aumento expiratório da pré-carga do VE, com consequente diminuição da complacência operatória efetiva do ventrículo direito.

As alterações exageradas da pré-carga respiratória também são exemplificadas por uma diminuição inspiratória do Doppler de entrada da valva mitral e um aumento do Doppler de entrada da valva tricúspide. Entretanto, estes achados são insensíveis. Na presença de aumento significativo da pressão atrial esquerda e da pressão capilar pulmonar em cunha, a diminuição do gradiente de pressão em cunha VL com inspiração é insuficiente para alterar a pré-carga de VE o suficiente para alterar a magnitude do Doppler de influxo mitral.12 Devido à amarração da parede lateral, a velocidade de Doppler (e’) do anel mitral lateral no início da diástole (e’) é freqüentemente diminuída e anormalmente menor do que a velocidade do e’ medial (anel reverso).13 Ao contrário das causas cardiomiopáticas de insuficiência cardíaca, a velocidade do e’ medial é relativamente normal (ou mesmo aumentada, chamada de paradoxo do anel), dado o relaxamento miocárdico normal e o movimento longitudinal anular medial compensatório no ajuste da amarração da parede lateral.14,15

Radiologia cardíaca:

Em PC, as radiografias do tórax podem demonstrar calcificação pericárdica, um achado patognomônico na presença de insuficiência cardíaca clínica e JVP elevada. A TC de tórax é mais sensível à calcificação pericárdica do que a radiografia de tórax.16 A TC de tórax e a RM permitem a medida precisa da espessura do pericárdio, sendo que a RM em particular demonstra excelente precisão (93%) na detecção de espessamento pericárdico >4 mm.17 Entretanto, é importante lembrar que até 18% dos casos de PC confirmados cirurgicamente podem ter espessura pericárdica normal apesar da não aderência patológica.18 A amarração pericárdica, que pode ser visualizada via ecocardiografia, TC ou RM, também pode proporcionar insight sobre a presença de PC. A RM fornece informações sobre inflamação ativa do pericárdio, que podem ajudar a orientar as decisões terapêuticas. Além disso, a RM cardíaca fornece uma avaliação miocárdica única, que pode identificar processos cardiomiopáticos quando o diagnóstico é incerto. O realce tardio miocárdico é tipicamente ausente na PC isolada, mas pode ocorrer em quase um terço dos casos com cardiomiopatia restritiva.19

A ecocardiografia, TC cardíaca e RM não são dependentes do hábito do paciente e podem proporcionar melhor visualização cardíaca quando a imagem ecocardiográfica está subótima. Os deslocamentos espirofásicos no movimento septal são bem demonstrados tanto na TC quanto na RM. Além disso, a TC e a RM podem fornecer informações sobre causas alternativas de dispnéia, como doença pulmonar ou paralisia diafragmática.

Diagnóstico além da imagem cardíaca:

Cateterismo cardíaco continua sendo o teste diagnóstico padrão ouro, se o teste não-invasivo for inconclusivo, para avaliar a presença de constrição e avaliar a significância hemodinâmica. Enquanto a maioria dos pacientes com PC não necessita de cateterismo hemodinâmico para o diagnóstico, um subgrupo de especial preocupação são os pacientes com doença cardíaca por radiação, nos quais muitas vezes é difícil identificar o grau de cardiomiopatia restritiva subjacente, mesmo que as características constritivas estejam presentes. Mesmo com ecocardiografia e radiologia cardíaca de alta qualidade, esses pacientes podem requerer cateterismo hemodinâmico invasivo para avaliar a elevação das pressões de enchimento com equalização diastólica, interdependência ventricular e dissociação intratorácica-intracárdica.2

Tratamento:

PT é identificado, o tratamento médico com diurese muitas vezes é apenas parcialmente eficaz na palpação dos sintomas. Se houver inflamação extensa do pericárdio, um ensaio de terapia anti-inflamatória é justificado para avaliar a reversibilidade antes de se proceder à pericardiectomia. Alguns pacientes podem ter melhora na complacência pericárdica se tiverem apenas constrição transitória da inflamação.20 A pericardiectomia cirúrgica completa é indicada para aliviar os sintomas em pacientes com PC. Usando uma abordagem diagnóstica de multimodalidade (Figura 1), agora é incomum que os pacientes prossigam para a sala de cirurgia para confirmação de PC. Dada a natureza frequentemente transformadora da pericardiectomia para a qualidade de vida dos pacientes, os clínicos devem continuar mantendo um alto índice de suspeita para esta rara, mas curável, forma de insuficiência cardíaca.

Figure 1

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