2020 marcou o 75º aniversário da fundação das Nações Unidas. Criada no rescaldo da Segunda Guerra Mundial, a ONU foi criada para preservar a paz e a segurança internacionais e para prevenir qualquer conflito futuro.
A ONU não foi a primeira organização global a ser formada com a intenção de manter a paz. Já faz mais de um século que a Liga das Nações, um organismo semelhante criado para resolver disputas internacionais, foi fundada após a Conferência de Paz de Paris e o Tratado de Versalhes.
Em retrospectiva, sabemos que a paz na Europa só durou cerca de duas décadas após a assinatura do Tratado de Versalhes. Isto ocorreu apesar da criação da Liga, que tinha sido concebida com o único propósito de preservar a unidade.
Então, o que correu mal para a Liga, e por que não conseguiu evitar uma segunda guerra mundial?
Cenário
Em janeiro de 1918, o presidente dos Estados Unidos, Woodrow Wilson, detalhou seus ‘Quatorze Pontos’. Dentro de seu discurso, Wilson delineou sua visão para acabar com a Grande Guerra e propôs formas pelas quais um conflito tão desastroso e mortal poderia ser evitado no futuro.
A chave para esta visão foi o estabelecimento de “uma associação geral de nações” – o 14º ponto de Wilson. O Presidente culpou as alianças secretas entre nações como a causa da Primeira Guerra Mundial e pensou que, para manter a paz, todos os Estados deveriam se comprometer com menos armamentos, reduzindo as barreiras comerciais e encorajando a autodeterminação.
Woodrow Wilson 28º Presidente dos Estados Unidos. (Crédito de Imagem: Domínio Público).
Isto seria alcançado com a criação de uma ‘Liga das Nações’, onde existiria um Estado de Direito universal, encorajando os estados membros a funcionar como um colectivo. A Liga seria composta por uma Assembléia, Conselho, Secretaria Permanente e um Tribunal Internacional de Justiça. A idéia principal era que as nações em disputa poderiam abordar a Liga e a Corte para arbitragem e uma decisão coletiva.
No entanto, logo se tornou evidente que a Liga era incapaz de resolver disputas internacionais. Salvo algumas excepções, a organização acabou por falhar no seu objectivo de evitar um conflito global. É importante compreender os vários factores que contribuíram para esta realidade.
Fraqueza estrutural e funcional
A Liga, com sede em Genebra, era constituída por algumas grandes potências e vários Estados-nação mais pequenos. O poder e influência de um país no palco global, porém, não refletia sua autoridade relativa dentro da organização.
Todos os estados eram iguais e podiam votar em assuntos da Assembléia. A Liga das Nações operava em um sistema de consentimento universal, em vez de governar por maioria. Isto significava que, para que uma decisão ou decisão fosse tomada, todos os membros tinham que votar unanimemente a favor dela.
Liga das Nações Comissão. (Crédito de Imagem: Domínio Público).
Como este processo era progressivo no papel, ele foi fundado na falsa suposição de que o internacionalismo tinha substituído o nacionalismo como a principal força que moldou as políticas dos estados membros. Na realidade, todas as nações mantiveram os seus próprios interesses e muitas vezes não estavam preparadas para sacrificar ou comprometer-se a fim de resolver disputas.
O sistema impraticável de votação unânime logo veio a minar a Liga, pois rapidamente se percebeu que pouco poderia ser alcançado se cada nação possuísse o poder de pôr em risco um apelo unificado à ação através de um único veto.
Absência dos Estados Unidos
A ausência dos Estados Unidos como membro da Liga tem sido frequentemente atribuída como a principal causa do seu fracasso. Tendo proposto a sua criação, Wilson visitou a América para obter apoio público para o projecto internacional. Infelizmente, ele se opôs ferozmente no Congresso.
Reservacionistas, liderados por Henry Cabot Lodge, apoiaram a idéia da Liga, mas queriam que os Estados Unidos tivessem maior autonomia dentro da organização. Foi reivindicado que a América seria sobrecarregada por obrigações que poderiam forçá-los a declarar guerra.
Lodge obteve maioria no Senado quando Wilson se recusou a transigir, negando a entrada dos Estados Unidos na organização que tinha fundado.
The Gap in the Bridge. Cartoon da revista Punch, 10 de dezembro de 1920, satirizando a lacuna deixada pelos Estados Unidos que não aderiram à Liga. (Crédito da Imagem: Domínio Público).
A não adesão dos Estados Unidos prejudicou a reputação da Liga e a sua capacidade de funcionar eficazmente. A sua ausência prejudicou a mensagem de solidariedade e cooperação universal da Liga. Aqui estava um exemplo perfeito de uma nação agindo no seu próprio interesse, algo que Wilson tinha condenado fortemente.
A ausência dos Estados Unidos também teria consequências práticas. A França e a Grã-Bretanha, os dois restantes “poderosos” aliados na Liga, tinham sido prejudicados economicamente pela guerra, e faltava-lhes força para impor disciplina e diplomacia.
A Grande Depressão
O crash de Wall Street de 1929 e a consequente depressão económica global levaram muitos países a adoptar políticas isolacionistas para proteger as suas economias internas. O isolacionismo contribuiu para um crescente desinteresse pela Liga, prejudicando consequentemente a reputação da organização. A Grande Depressão demonstrou que uma política de cooperação internacional foi frequentemente abandonada em tempos de crise.
Muitos governos voltaram ao nacionalismo para sustentar seu orgulho nacional. Isso ocorreu em países como Alemanha, Itália e Japão, onde os conflitos econômicos facilitaram o surgimento de ditaduras e políticas externas agressivas.
Falta de força militar
Os países dentro da Liga foram ativamente encorajados a se desarmar, supostamente seguros de que qualquer disputa poderia ser resolvida diplomaticamente em Genebra.
Ultimamente, a Liga confiou na boa fé entre os estados membros. Depois de uma guerra tão desastrosa, a maioria dos governos estava relutante em oferecer qualquer apoio militar. Além disso, a Liga tinha instado a reduzir a capacidade das suas forças armadas.
Pode a diplomacia falhar, no entanto, a Liga não possuía um backkstop. Sem sua própria força militar e uma garantia de que os estados membros ofereceriam apoio, faltava-lhe qualquer poder para impedir a agressão. Isto logo seria explorado por nações como Japão e Itália.
Sem resposta a crises
Quando uma crise internacional se aproximava, as fraquezas inerentes à Liga eram cruelmente expostas. Em 1931, as tropas japonesas invadiram a Manchúria. A China apelou para a Liga, que considerou a invasão um acto de agressão não provocado e imoral. As intenções do Japão eram claras, mas a Liga dificilmente poderia retaliar.
A resposta da Liga foi estabelecer uma Comissão de Inquérito liderada por Lord Lytton. O relatório culminante levou mais de um ano para produzir e condenar as ações do Japão. Ele concluiu que o Japão deveria deixar a Manchúria, mas que a própria Manchúria deveria ser administrada como um país semi-independente.
Japão não aceitou estas propostas. Em vez de deixar a Manchúria, eles simplesmente se demitiram da Liga em 1933. Isto desenterrou a impotência da Liga para resolver conflitos e expôs uma falha crítica na sua funcionalidade – não havia obrigação de permanecer na organização. Como o Japão tinha demonstrado, se uma nação não concordasse com a decisão do Tribunal de Justiça Internacional, poderia simplesmente abandonar a Liga.
Não demorou muito até que outros estados membros saíssem da Liga. Após a invasão italiana da Abissínia (1834), Mussolini retirou a Itália da Liga, apesar de britânica e francesa, para apaziguar o ditador, o que contrariava os princípios da organização em si. A Alemanha também se demitiu em 1935, à medida que o desejo de conquista e anexação de Hitler crescia constantemente.
Italian Artillery Corps in Abyssinia, 1936. (Crédito Imagem: Domínio Público).
Bretanha logo abandonou a idéia de que a estabilidade dentro da Europa e da Ásia poderia ser alcançada através da Liga das Nações. A adoção por Neville Chamberlain de uma política de apaziguamento na década de 1930 confirmou o desejo da Grã-Bretanha de buscar a paz através de mediação independente, em vez da colaboração internacional. Infelizmente, nenhuma das abordagens conseguiu evitar o que se tornaria o conflito global mais mortífero da história.